ARTE-CULTURA NO CERNE DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Atualizado: 27 de mar.
Foto: São Paulo Secreto / Head Topics
Cidades criativas são alternativas centrais para novos rumos das grandes cidades
Por Fabrício Albergaria
Em pesquisa realizada pelo doutorando Daniel Motta na FECFAU/Unicamp (Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo), o conceito de Cidades Criativas é discutido por meio da experiência da criação de comuns, como é o caso do Parque Augusta no centro de São Paulo. As Cidades Criativas são exemplos de cidades que têm como foco o talento criativo e cultural, ou seja, que possui sua própria cultura em seu desenvolvimento econômico.
Entender a importância dos comuns, no contexto das Cidades Criativas, pode indicar quais direções a serem tomadas no momento de inserir novas alternativas para que cidades cresçam para além dos meios clássicos e pouco inclusivos dos padrões do mercado atual. A arte-cultura como diretriz no planejamento territorial, de acordo com a pesquisa, torna possível a produção de riqueza em que se leve em conta não só as necessidades industriais de um povo, mas também as necessidades culturais. Quando pensado em torno da arte e da cultura, o planejamento de uma cidade também leva em consideração o quanto esse tipo de atividade também movimenta a economia.
“A cultura é produzida nos locais e pelas pessoas; a cultura é a forma pela qual as pessoas se manifestam, como a gente vive, por isso ela é tão diversa, por isso ela demarca modos de vida e por isso ela dá sensação de pertencimento e de identidade”, relata Daniel. “O horário que saímos de casa pra trabalhar e voltamos, assim como os instrumentos que tocamos e a música que cantamos, o tipo de trabalho que a gente faz e o tipo de cidade que a gente constrói, tudo isso é cultura. Se a gente entender e colocar isso como base do nosso planejamento, temos mais chances de atingir o ideal de cidade que imaginamos, do que ficar importando padrões e maneiras de pensar cidade por aí”, explicou.
Para o doutorando, a consciência cultural de uma cidade só é possível a partir do momento que as pessoas entenderem que a cultura se estabelece no comum e no ato do fazer. “A cultura só existe como um comum, ela não é isolada. No momento em que entendemos quais são as manifestações das pessoas e deste território e estabeleço ações a partir disso, aí começamos a construir comuns que extrapolam só essa ideia que temos bastante difundida sobre associações de bairro, hortas comunitárias, e passamos a entender que dá pra construir a cidade como um comum. Então o ponto de ônibus, os tipos de trabalho, educação, tudo isso passa a ser um comum construído coletivamente”, elucida Motta sobre sua pesquisa Criando Comuns: As cidades criativas como experiência de autogestão. O Parque Augusta e o comum urbano.
A arte-cultura e os movimentos populares são o que o coordenador do LABINUR (Laboratório de Investigações Urbanas/Unicamp), Prof. Dr. Sidney Piochi, chama de Práticas Contra-Hegemonicas. A contra-hegemonia no planejamento territorial, de acordo com Sidney, são movimentos populares e tudo aquilo que foge do controle do mercado e do Estado. “Tanto o Estado quanto o mercado são hegemônicos, então o contra-hegemonico são os movimentos que se opõem ao Estado”, explica o professor.
Hoje, por mais que o Estado desempenhe um papel hegemônico na sociedade e principalmente no urbanismo, ele também carrega a responsabilidade de equilibrar as relações dentro de um sistema capitalista em crise. Dentro de uma relação de um mercado neoliberal em colapso e a sociedade, o Estado intervém para contrabalançar as externalidades da atuação do sistema, porém, muitas vezes, acaba se apropriando de movimentos populares, como é o caso também da arte-cultura.
“Dentro do próprio Estado tem movimentos também. O próprio Estado redireciona suas práticas para aceitar as práticas contra-hegemonicas, ou mesmo coopta essas práticas para fazer da sua própria maneira, dentro da legalidade”, conta Sidney.
Para a coordenadora da Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp (DEDH/Unicamp), Silvia Maria Santiago, a arte e a infraestrutura são fatores importantes para a manutenção estrutural no planejamento urbano, principalmente quando se trata de grandes cidades com áreas periféricas.
“É importante você desenvolver uma periferia interessante, com estrutura. Lá também tem arte, tem restaurantes, tem teatro, tem cinema, tem talento das populações excluídas, tem espaço para eles se expressarem”, explica Silvia. “É uma população onde não tem só a falta, a carência, mas tem a produção de bens, de serviços, mas principalmente o bem estrutural, que também precisa ser garantido. É o direito à cidade”, completa a coordenadora dos Direitos Humanos da Unicamp.
*Fabrício Albergaria é jornalista e esta matéria faz parte do programa da bolsa Mídia Ciência concedida ao autor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
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